Diversos estudos indicam que as lesões no ombro são comuns em tenistas, sendo a região do membro superior mais afectada. A grande mobilidade do ombro, o poder dos músculos que aí produzem movimento e o facto de ser uma região de charneira entre o tronco e os segmentos mais distais (antebraço e mão) são à partida factores que determinam um risco acentuado de lesão nessa região.
As características dos gestos presentes no ténis agudizam esse risco e predispõem o tenista a lesões de sobrecarga (overuse) no ombro dominante. As causas estão relacionadas com a natureza repetitiva e exaustiva dos gestos realizados no ténis, a elevada velocidade de execução, com acelerações máximas seguidas de desacelerações bruscas, ou as amplitudes extremas de movimento.
No quadro de lesões do ombro do tenista, a patologia da coifa dos rotadores (tendões de músculos responsáveis pela rotação do braço e indispensáveis à estabilidade articular do ombro) constitui a lesão mais comum em todas as idades e níveis competitivos.
Não há estudos que relacionem a taxa de lesão com gestos técnicos específicos. No entanto, o serviço e o smash são gestos que parecem ser particularmente exigentes em termos de carga mecânica do ombro. Várias razões concorrem para isso. Um dos factores prende-se com a colocação do braço no final da fase de aceleração numa rotação externa muito acentuada (cerca de 170º) de forma a potenciar a aceleração da raquete durante a fase principal do gesto.
Outro factor está relacionado com a elevada aceleração da rotação interna do braço na fase de aceleração, promovendo elevado stress mecânico das estruturas posteriores do ombro durante o impacto com a bola e os instantes imediatamente seguintes. Por último, o facto de nestes gestos o braço ser elevado acima do ombro, o que se traduz numa sobrecarga principalmente para as estruturas superiores da articulação escápulo-umeral.
Diferentes tipos de factores podem influenciar a lesão de sobrecarga do ombro do tenista: erros/limitações na execução de gestos técnicos, falta de orientação técnica ou autodidactismo, prática concentrada e/ou irregular, tempo e formas de recuperação do esforço não eficazes, tipo e características da raquete/corda/tensão, ausência de trabalho preventivo de força e de flexibilidade, idade sénior, limitações e constrangimentos específicos (alterações degenerativas), alterações posturais (ex. postura cifótica), lesões anteriores não resolvidas, desequilíbrios entre grupos musculares antagonistas (ex. rotadores externos / rotadores internos), disfunções articulares (hiperlaxidão ligamentar), factores psicológicos (traços de personalidade, auto-percepção do risco e factores condicionantes da prática).
Deve analisar-se a interacção entre os factores que estão na origem da lesão de sobrecarga para que se implementem estratégias pró-activas de prevenção de lesões ainda antes de elas acontecerem (prevenção primária) e de despiste precoce de lesões minor minimizando o risco potencial de agravamentos e/ou instalação de processos crónicos.
As lesões de sobrecarga têm um quadro de instalação de sinais e sintomas gradual, no inicio pouco perceptível para o próprio tenista, que resultam de microtraumatismos a partir da repetição exaustiva de movimentos sem os adequados períodos de recuperação/repouso e/ou na execução incorrecta de certos gestos técnicos, como acontece muitas vezes no tenista amador sem uma orientação técnica adequada. Nestas situações, face à instalação lenta e gradual do quadro clínico (sinais e sintomas) torna-se ainda mais importante que o tenista e o seu treinador reconheçam os sinais de alerta que o corpo vai dando e os indicadores de que algo não está bem.
Normalmente as lesões por sobrecarga são lesões pouco incapacitantes no início, que não impedem a prática mas que quando são ignoradas podem-se tornar não só bastante incapacitantes como crónicas (mais de 3 meses) e de resolução mais difícil e/ou com tempos de paragem mais prolongados. Em alguns casos as suas consequências podem mesmo ter implicações na vida diária.
Na resolução das lesões por sobrecarga é fundamental cruzar a análise de todo o processo de treino (aspectos físicos, técnicos e tácticos) e suas condições com as características individuais (componentes anatómicas, funcionais) de cada tenista. Neste aspecto é indispensável a cooperação entre treinadores, responsáveis pelo treino físico, fisioterapeutas, médicos e outros profissionais.
O risco de lesão no ombro está muito associada a desequilíbrios musculares resultantes da repetição de gestos técnicos. Esses desequilíbrios traduzem-se num perfil de ombro que caracteriza o tenista e que envolvem quer a força quer a amplitude dos movimentos de rotação do braço. Os aspectos mais característicos desse perfil são: (1) elevada força de rotação interna do braço sem capacidade correspondente na força para travar esses movimentos (força de rotação externa do braço); (2) elevada amplitude de rotação externa do braço; (3) reduzida amplitude de rotação interna do braço; (4) redução na amplitude total de rotação do ombro.
Para evitar que este quadro se implemente é necessária uma atitude preventiva que antecipe e atenue estas tendências com exercícios específicos e uma monitorização regular do balanço entre mobilidade/força dos grupos musculares mais solicitados nos diversos gestos do ténis.
Para minimizar que o perfil identificado no parágrafo anterior se instale e assuma proporções indesejáveis, o praticante de ténis deve ter uma preocupação permanente com o trabalho de reforço muscular dos músculos rotadores externos do ombro (localizados na região posterior do ombro) e dos músculos estabilizadores da omoplata, bem como com a flexibilidade das estruturas posteriores do ombro. Estas preocupações são fundamentais para evitar que se instale a instabilidade dinâmica no ombro do tenista.
No tenista adulto de idade mais elevada (tenista sénior) a lesão no ombro é facilitada pelas alterações degenerativas nas estruturas periarticulares do ombro e por sinais de conflito sub-acromial mais ou menos precoce (conflito de espaço entre tendões e elementos ósseos do ombro) associados a um deficiente controle da omoplata (papel importante do trabalho coordenado entre músculos estabilizadores da omoplata e músculos da coifa dos rotadores) e/ou a uma postura mais cifótica da coluna dorsal com anteriorização dos ombros.
A dor é o principal sintoma que alerta para lesão de sobrecarga no ombro. Normalmente localiza-se na região anterior e externa do ombro e que poderá mesmo irradiar para a face externa do braço. Por vezes também há dor na região posterior do ombro e omoplata. Estes sintomas agravam com certos movimentos como levantar o braço acima da cabeça (movimentos de flexão e abdução) rodar o braço (rotação interna e externa) que podem mesmo nos casos mais graves estarem parcialmente limitados. Os gestos de serviço, “smash” e “direitas altas” são os gestos mais comprometidos.
Em suma, é fundamental uma abordagem multidisciplinar para que as estratégias quer de prevenção quer de intervenção nas lesões sejam eficientes. Essa abordagem deve estar centrada: a) na avaliação objectiva dos padrões de movimento utilizados pelo tenista nos diferentes gestos (aqui é muito útil a filmagem para posterior análise); b) na análise das diferentes componentes de força muscular e flexibilidade dos principais grupos musculares envolvidos; c) no conhecimento dos factores de mobilidade e estabilidade articular funcional.
É sempre mais fácil prevenir a lesão, à custa de uma execução técnica adequada e de um trabalho de condicionamento físico que antecipe e compense desequilíbrios, do que tratá-la depois de instalada.
Pedro Pezarat e Raul Oliveira (Faculdade de Motricidade Humana)
ppezarat@fmh.utl.pt / raulov@netcabo.pt
(excertos de artigo publicado na Revista Executive Health & Welleness, nº 7, Outubro de 2008)
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