domingo, 25 de janeiro de 2009

LESÕES NA GINÁSTICA

Lesões em Ginastas Portugueses de Competição das modalidades de Trampolins, Ginástica Acrobática, Ginástica Artística e Ginástica Rítmica na época 2005/2006.
Rego, F.; Reis, M.; Oliveira, R.


excertos de artigo publicado na Revista Portuguesa de Fisioterapia no Desporto, vol. 1, nº 2: 21- 27 (disponível online)



Introdução

A ginástica é uma modalidade onde a coordenação, força e equilíbrio se associam à elegância, beleza e harmonia do movimento em que o esforço, dedicação, empenho e poder de sacrifício são requisitos obrigatórios para o sucesso de qualquer ginasta. Segundo Caine, Caine e Lindener (1996), o número de anos de prática e o início da competição podem ser os principais factores de risco para o desenvolvimento de algumas lesões crónicas. À medida que os ginastas desenvolvem melhor os seus skills, o tempo e intensidade de treino aumentam e consequentemente o tempo de exposição ao risco aumenta e com ele o risco de lesões (McAuley, Hudash, Shilds, Albright, Garrick, Requa e Wallace, 1987).

Tipo de estudo e Objectivos

Estudo epidemiológico, descritivo, com o objectivo de caracterizar e descrever os ginastas quanto à ocorrência de lesões na prática da modalidade. A recolha de dados foi transversal e retrospectiva, apelando à memória de 349 ginastas das modalidades de Trampolins (Trampolim, Mini-trampolim, Duplo-mini-trampolim e Tumbling), Ginástica Acrobática, Ginástica Artística e Ginástica Rítmica provenientes de 38 clubes nacionais sobre as lesões sofridas durante a época entre Maio de 2005 e Maio de 2006.


Resultados: sintese
a) Prevalência anual de lesão = 43,0% (150 ginastas sofreram, pelo menos uma lesão). A prevalência anual de lesão foi superior para a modalidade de Ginástica Artística (62,7%), seguida da Acrobática (45,6%) e das modalidades de Trampolins e de Rítmica, ambas com uma prevalência anual de lesão de 36,2%.


b) 284 lesões diferentes, distribuídas por diferentes locais anatómicos. O membro inferior foi a região mais lesionada (49,6%), seguida do membro superior (24,7%), tronco (24,2%). O joelho (12,3%) foi o local anatómico mais lesionado, seguindo-se o pé e dedos (12%) e tornozelo (10,9%).


c) ocorreram mais lesões durante a realização ou ligação de elementos técnicos (26,7%). As quedas foram responsáveis por 16,9% das lesões, enquanto que a sobrecarga foi motivo desencadeador de lesão em 15,8% dos casos.

d) O maior número de lesões ocorreram primeiramente no sistema articular (34,2%), em segundo nas estruturas musculares (27,8%), em terceiro nas estruturas tendinosas (18,8%).

e) 62,0% das lesões ocorreram pela primeira vez, 20,7% foram recidivas de lesões anteriores e 17,3% foram consideradas lesões crónicas. Isto significa que quase 4 em cada 10 das lesões sofridas (38,0%) foram recidivantes ou crónicas.


f) Apesar da maioria das lesões se apresentarem totalmente recuperadas (55,8%), existiu uma elevada percentagem de lesões ainda com sintomatologia (38,0%), e algumas destas não estando em tratamento (25,2%).


g) Os praticantes de Artística apresentaram cerca de 3 vezes mais risco de sofrer lesão que os praticantes de Trampolins e que as praticantes de Rítmica e ainda cerca de 2 vezes mais risco de sofrer lesão que os praticantes de Acrobática.


h) Os ginastas com 15 ou mais anos apresentaram cerca de 3,7 vezes mais risco de lesão que os ginastas com idades até os 14 anos.

i) Os ginastas com um tempo de prática superior a 6 anos, apresentaram cerca de 2,6 vezes mais risco de lesão que os ginastas com tempo de prática até 6 anos.


j) Os ginastas com uma carga horária média de treino semanal superior a 8 horas, apresentaram cerca de 2 vezes mais de probabilidades de sofrerem lesão que os ginastas com uma carga de treino semanal até 8 horas.


Discussão:Os resultados referidos enquadram-se dentro do intervalo de valores apontados por outros estudos realizados a nível internacional, o que confirma que a ginástica é uma modalidade desportiva com um elevado número de lesões.Comprova-se assim a tendência para ocorrerem, mais lesões no membro inferior (49,6%) na prática da ginástica.













Nos trampolins atingem-se alturas que podem ir até 9 metros, o que leva a um maior risco de lesão do membro inferior em caso de queda ou má recepção. A altura atingida, associada muitas vezes a elevados níveis de dificuldade dos saltos, leva frequentemente a quedas e recepções aparatosas. Uma recepção vinda de um salto, com má execução (falta de rotação), leva a que esta seja realizada com desvios do centro de gravidade, o que pode gerar forças assimétricas e não controladas em diferentes estruturas, como o joelho e/ou a tibio-társica. Este aspecto é agravado, em caso de saltos com piruetas, em que a recepção é muitas vezes realizada com apoio dos pés, mas com o tronco ainda em rotação.


Na G Rítmica, é exigido um elevado nível de flexibilidade dos membros inferiores e as ginastas realizam em quase todos os seus esquemas saltos onde é necessária a força, a que associam os elementos gímnicos em amplitudes extremas, repetidas exuastivamente.

Na G. Acrobática também são realizados saltos, embora com menor frequência e em alturas bastante menores.

Na G Artística, os ginastas estão sujeitos a diferentes recepções dos variados aparelhos e em superfícies diferentes.


Houve um maior número de lesões no membro superior nos praticantes de acrobática (34,7%) e artística (39,7%) relativamente aos de trampolins (15,2%) e rítmica (6,7%), o que pode ser explicado pela maior solicitação e exigência a nível técnico e físico dos membros superiores na ginástica acrobática e artística, ao nível dos apoios, recepções com os membros superiores e suporte de carga nos mesmos, o que pode levar a uma maior predisposição à lesão.


A realização de elementos técnicos no solo, como os pinos, flics, rodas, rondadas promove grandes forças de impacto nos membros superiores o que leva a um maior potencial de lesão nos mesmos.


Na acrobática, a sustentação de carga nos membros superiores, sobretudo do “base” na sustentação do volante, assim como a sua impulsão (estafas) para realização de saltos, leva a uma elevada sobrecarga dos membros superiores.


A artística compreende diferentes aparelhos e a utilização dos membros superiores varia em diferentes amplitudes de movimento. É o caso do ombro, que pode variar desde amplitudes de flexão máxima com rotação interna associada em alguns elementos (por exemplo, na barra-fixa ou nas barras assimétricas) até à hiperextensão (por exemplo, nas barras paralelas).


A utilização do punho em carga pelos ginastas mais jovens que ainda estão em fase de crescimento, submete as cartilagens de crescimento a cargas consideráveis e assim aumenta a sua predisposição à lesão.


Nos trampolins, os membros superiores são utilizados no take-off do aparelho, na ligação de elementos, sendo fundamental para o equilíbrio e direcção do salto. Na rítmica a exposição das praticantes às lesões do membro superior poderá estar associada à manipulação e lançamento dos aparelhos. Os aparelhos não apresentam um peso siginificativo, no entanto, o seu lançamento constante poderá levar a lesões de sobrecarga dos membros superiores.No entanto, os apoios e forças de impacto dos mesmos tanto nos trampolins como na rítmica são mínimos, podendo explicar o menor número de lesões no membro superior.


Quase ¼ dos ginastas, sofreram pelo menos uma lesão na coluna e estes valores estão muito próximos, dos valores obtidos para o membro superior. Segundo Caine et al (1996), os ginastas de competição estão mais expostos a lesões da coluna lombar que outros indivíduos não praticantes. A ginástica exige repetidas posturas de flexão e hiperextensão da coluna durante saltos, recepções e elementos específicos de ginástica que levam a amplitudes extremas. Para agravar todo este quadro, os ginastas estão sujeitos repetidamente a cargas de impacto resultantes de recepções de saltos que são absorvidas pela coluna. A força de impacto pode ser seis vezes o peso corporal do ginasta.


Muitos dos elementos/gestos técnicos realizados são em amplitudes extremas, nomeadamente da coluna vertebral. Isto requer uma hipermobilidade compensatória, para adquirir e realizar determinados exercícios, muitas vezes à custa da perda de estabilidade. Esta hipermobilidade pode levar a uma sobrecarga do sistema articular que associado a um défice do seu controlo pelo sistema muscular, por alterações ao nível da sua relação força/comprimento e capacidade de activação, pode originar disfunção e mesmo patologia. Tendo em conta que os ginastas iniciam a sua prática ainda em idades muito jovens, estas alterações vão acontecer ainda na sua fase de crescimento.


As crianças com um suporte ósseo ainda em desenvolvimento e cartilagens de crescimento com baixa resistência ao stress repetitivo, pode tornar o adolescente mais susceptível de sofrer lesão.


A elevada prevalência de lesões articulares poderá ser explicada não só pela exposição às sobrecargas contínuas das estruturas, que levam a lesões de overuse, bem como pelo risco de lesões traumáticas que as modalidades apresentam. Segundo Caine et al (1996) as lesões que acontecem com maior frequência são lesões cápsulo-ligamentares por mecanismo de entorse. As lesões musculares e tendinosas podem dever-se às intensas solicitações a que estas estrututas estão sujeitas, em especial na realização de elementos de força, nas lesões musculares, e em situações de overuse, no caso das tendinopatias. Os nossos resultados parecem confirmar no essencial o padrão encontrado nesses estudos.


Verificou-se que 62,0% das lesões ocorreram pela primeira vez. No entanto, observa-se um valor relativamente elevado de recidivas e lesões crónicas, num total de 20,7% e 17,3% respectivamente. Estes valores levam a reflectir quanto ao comportamento dos ginastas e treinadores em situação de lesão. O regresso ao treino, muitas vezes com elevados níveis de intensidade, em estruturas ainda frágeis e em recuperação, pode levar ao risco de recidiva ou tornar a condição crónica. O treino repetitivo, na presença de sintomas de lesão, pode estar na origem dos elevados níveis de lesões crónicas existentes.


Os resultados obtidos mostram que o aumento do número de anos de treino e o aumento da carga de treino promove um maior risco de lesão em ginastas de competição. Os ginastas mais velhos apresentaram uma maior carga de treino semanal e um maior tempo de prática da modalidade, o que pode explicar o maior número de lesões com o aumento da idade. Para além disso, realizam exercícios e gestos técnicos com níveis de dificuldade mais elevados, estando sujeitos a um maior risco de lesão.


Conclusão
Este estudo revelou uma elevada prevalência de lesão (43%) nos ginastas de competição, sendo o membro inferior a região anatómica mais afectada.
Concluímos que características como o tempo de prática, a idade e as cargas de treino parecem aumentar não só a prevalência de lesão, como o risco de sofrer lesão nos ginastas.
A especificidade das modalidades gimnícas requerem um conhecimento e um envolvimento pormenorizado do fisioterapeuta nesta área, onde a intervenção precoce, o tratamento dirigido às necessidades do ginasta e da modalidade e a detecção de factores de risco, são o sucesso para o tratamento e prevenção de lesões.

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